“Gato por lebre”
Vale acusada de exportar resíduos de cobre como se fosse
ouro
Relatórios de duas CPIs apontam rombo de cerca de 447
milhões para os cofres da União e do Estado do Pará
Por: Amazônia Real
Reportagem publicada na
semana passada (precisamente no dia 13/07)* pelo
portal do UOL em São Paulo revelou, com base em investigações de comissões
parlamentares de inquérito no Pará que a mineradora Vale vendeu ouro para fora
do Brasil sem pagar royalties por pelo menos 10 anos. O minério foi extraído de
duas minas de cobre, Sossego e Salobo exploradas pela empresa na província
mineral de Carajás, nos municípios de Canaã dos Carajás e Marabá, no sudeste
paraense.
De acordo
com as CPIs, a empresa deixou de pagar R$ 446,7 milhões referentes à CFEM
(Compensação Financeira pela Exploração Mineral) pela exploração de ouro não
contabilizada nas duas cidades. As CPIs calculam ainda que a omissão das vendas
do ouro pela Vale resultou numa diferença de R$ 20 bilhões na balança comercial
brasileira.
Procurada
pelo UOL, a Vale disse que “efetua regularmente o recolhimento dos tributos e
impostos” e paga os impostos “de acordo com a legislação específica do tema”. A
Agência Nacional de Mineração disse ao portal que “desconhece a situação”.
“Existem
diversos processos de cobrança de CFEM no âmbito administrativo tendo como polo
passivo a Vale”, mas nenhum trata da exploração de ouro em Marabá e Canaã dos
Carajás, declarou a ANM (que substituiu o DNPM).
Para chegar
a essas conclusões, a CPI da Assembleia, contratou a consultoria MC Consultoria
Empresarial para analisar os relatórios de produção, os balanços financeiros e
as informações prestadas pela mineradora ao Siscomex (Sistema Integrado de
Comércio Exterior da Receita Federal). A empresa declarou aos investigadores
que lança a exploração e venda de ouro em seus balanços, mas não em seus
relatórios de produção.
Os mais de
R$ 400 milhões que os vereadores de Marabá acusam a Vale de não ter pagado são
o resultado da conta feita pelos integrantes da CPI. Para chegar ao valor, eles
consideraram a cotação do ouro no mercado financeiro, caso o ouro não tivesse
sido registrado como “subproduto do cobre”.
Para chegar
à “CFEM provável” que os vereadores acusam a Vale de dever, a CPI de Marabá fez
contas a partir das informações enviadas pela CPI da Assembleia Legislativa do
Pará. De acordo com o relatório parcial da CPI de Marabá, a empresa extraiu 7,7
milhões de toneladas de cobre de Sossego e Salobo entre 2012 e 2022. Sobre esse
valor, de R$ 65,4 bilhões, a mineradora recolheu R$ 1,2 bilhão de CFEM.
No mesmo
período, relata a reportagem do portal, a Vale produziu 93,2 toneladas de ouro
cadastrados como subproduto do cobre, conforme o balanço da empresa. Declarou
R$ 832 mil como valor de venda. Entretanto, segundo a CPI de Marabá, o valor
real desse ouro seria de R$ 320 o grama. Ou seja, 93,2 toneladas deveriam
custar R$ 29,8 bilhões.
A CFEM
provável, de 1,5% sobre o valor da venda do ouro, portanto, seria de R$ 446,7
milhões. Desse total, R$ 293,6 milhões seriam referentes à mina de Salobo, em
Marabá, e R$ 153,9 milhões, à mina de Sossego, em Canaã dos Carajás.
De acordo
com o relatório parcial da CPI do Salobo, enquanto o ouro “na contabilidade
final da Vale enriquece os acionistas, para o povo de Marabá é apenas
subproduto do cobre”. “Tais riquezas não podem passar despercebidas, pois
demonstram a grandiosidade mineral do estado do Pará, enquanto sua não
declaração reduz o estado a uma pequenez não condizente como sendo a maior
província mineral em atividade no mundo”, diz o relatório parcial da CPI do
Salobo.
A CPI
constatou que a mineradora enfrentava, na época, 50 processos administrativos e
judiciais referentes à CFEM. Em 2021, o diretor jurídico tributário da Vale,
Octávio Bulcão, disse que existe uma discussão jurídica sobre da base de
cálculo para o pagamento da CFEM.
Segundo ele,
a taxa “não tem amadurecimento jurisprudencial para pagarmos. Carregar um
contencioso não é bom, mas precisamos achar soluções dentro de uma governança.
No relatório contábil entregue em abril deste ano à SEC (sigla em inglês para
Securities and Exchange Commission, órgão regulador do mercado financeiro dos
Estados Unidos), a Vale disse que enfrenta “diversos processos judiciais e
administrativos” por causa da CFEM. Essas ações discutem o equivalente a R$
9,56 bilhões, incluindo o valor principal do tributo, juros e correções.
A assessoria
de imprensa da ANM disse ao UOL que a Vale responde, hoje, a 124 processos
administrativos e judiciais que tratam da cobrança da CFEM. Mas, para os
deputados estaduais do Pará, a postura da Vale é “inaceitável”. No relatório, a
CPI disse que o Superior Tribunal de Justiça definiu, em junho de 2007, que a
base de cálculo da CFEM é o faturamento líquido correspondente às ‘receitas de
venda do produto mineral, excluídos os tributos incidentes sobre a
comercialização, bem como as despesas de transporte e de seguro do produto
mineral. Fazendo sucessivos recursos à Justiça, o objetivo da mineradora seria
“procrastinar os pagamentos, utilizando-se, para tanto, dos recursos vários e
protelatórios cabíveis no ordenamento jurídico”.
Procurada
pelo UOL para comentar as alegações das CPIs, a Vale disse que “o produto final
das minas do Sossego (Canaã dos Carajás) e Salobo (Marabá) é o concentrado de
cobre”. Também disse que a CFEM é paga “de acordo com a legislação específica
do tema e se baseia na precificação desse concentrado”.
P.S.:
Transcrito na íntegra
do Portal Amazônia Real, assinado
pelo jornalista Lúcio Flávio Pinto