sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

 Palestina do Pará

Eleição no município sob forte suspeita de compra de votos

Suposto crime eleitoral teria proporcionado a vitória do candidato apoiado pelo atual prefeito, mesmo estando atrás nas pesquisas 

 

NILSON SANTOS

 

 

O Ministério Público Eleitoral (MPE) da comarca de São João do Araguaia, sudeste do Pará, deve ser provocado, nos próximos dias, para investigar a denúncia de possível fraude eleitoral no município de Palestina do Pará, cuja 057º zona pertence a São João.

O vencedor para prefeito, supostamente, foi o candidato Márcio Folha (PP), integrante da coligação PSDB, PSD, PRD, PDT, PSB, PP, e Cidadania. O outro concorrente à prefeitura, Valciney Ferreira Gomes (MDB), até então líder absoluto nas pesquisas divulgadas antes das eleições, “misteriosamente” sofreu revés nas urnas no final das apurações, na eleição majoritária do último dia 6 de outubro.   

A reportagem apurou que são fortes os indícios de que houve uma escancarada compra de votos, antes e despois do pleito municipal. Estratégia que garantiu a vitória de Folha, um forte aliado do atual prefeito Cláudio Robertino dos Santos, mais conhecido como “Claudio da Tetê”, por ter parentesco com a ex-deputada Tetê Santos. A compra de votos é um crime eleitoral, tipificado no art. 299 da lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965.

Mas não foi apenas a compra de votos que ajudou a eleger Márcio Folha. A reportagem também apurou, com exclusividade, que eleitores “forasteiros” desembarcaram em Palestina do Pará, alguns dias antes das eleições, com a orientação de votarem maciçamente no candidato do atual prefeito. Um forte empresário de Parauapebas teria fretado ônibus para o transporte de funcionários de sua empresa, 50 ao todo, com essa finalidade. Até mesmo um time de futebol foi “importado” de Parauapebas, segundo áudios de WhatsApp que vazaram para a reportagem. Todos com a finalidade de votar em Márcio Folha. O áudio não cita a que time de Parauapebas pertencem esses jogadores.

Essa “delegação” enviada da cidade do minério de ferro, teria ficado hospedada em duas casas, em Palestina, também supostamente alugada por esse empresário. 

Sobre a compra de votos, o próprio presidente do PDT no município, o ex-vereador e um dos coordenadores da campanha de Folha, Moacy Marques Ribeiro, foi preso em flagrante por uma equipe da Polícia Civil (PC) e conduzido para a delegacia local. Isso no próprio dia da eleição. De acordo com denúncias que chegaram ao conhecimento da PC, Moacy estaria pessoalmente na frente dos locais de votação aliciando eleitores, em troca de dinheiro. Valor não revelado.

Aliás, o ex-vereador e aliado de Cláudio da Tetê e Folha, foi flagrado dentro de um dos locais de votação, exibindo uma cédula de R$ 50,00 e abraçado com um correligionário, a quem teria subornado. O sorriso de deboche de ambos, em comemoração, não apenas demonstra um atentado à democracia, mas também uma clara afronta às autoridades, tanto da Justiça Eleitoral quanto da Polícia Federal (PF).

 

Vitória de Márcio Folha revela “milagre da multiplicação”

 

Fato bastante intrigante, e que deve receber atenção especial por parte das autoridades competentes, é que as últimas eleições, em Palestina do Pará, têm revelado estar bastante atual aquela passagem bíblica do “filho pródigo”. A reportagem fez levantamento junto a dados no site, tanto do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), quanto também do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e constatou o seguinte: pelo menos nas duas últimas eleições municipais (2020/2024), houve um aumento substancial de eleitores, entre um pleito e outro; 856 ao todo. Até aí, nada demais.

Acontece que, nos dois últimos recenseamentos realizados pelo IBGE (2010/2022), num espaço de 12 anos aconteceu o êxodo de 590 moradores, pessoas que deixaram Palestina do Pará pelos mais diversos motivos, e para diferentes lugares. Para esta eleição de 2024, 6.033 eleitores estavam aptos à votar na 057 zona. O que estranhamente demonstra que, entre o último censo de 2022 até a última eleição, 852 pessoas aumentaram a população do município, 262 pessoas a mais das que haviam emigrado. E os dados falam de pessoas, não de famílias.

A reportagem também conferiu os dados das últimas eleições, para equiparar os números. Dos 6.033 eleitores aptos à votar, 2.607 votos foram para Márcio Folha, 2.542 para Valciney, 125 votos foram anulados, e teve um total de 745 abstenções (12,35%) do total. Ou seja, das 852 pessoas que supostamente decidiram viver em Palestina, apenas 107 se dispuseram a sair de suas casas para votar.

“É humanamente impossível isso acontecer. As pessoas que mudaram de Palestina é que foram em busca de novas oportunidades, outros atrativos, como bons empregos e estudos mais avançados. Aqui (em Palestina) não tem nada disso.”, disse uma fonte, que prefere o anonimato.

Analisando os números, se percebe que, enquanto a população diminuiu em 8%, o número de eleitores teve um crescimento de 16%. O dobro, em pequeno espaço de tempo.

Fenômeno – Esse “milagre da multiplicação” não é exclusividade apenas de Palestina do Pará. Pesquisando mais a fundo, a reportagem descobriu que tais “fenômenos” atingiram também outros municípios do entorno.

Em Brejo Grande do Araguaia, o censo de 2022 indicou uma população de 6.783 habitantes, enquanto em 2024, 7.214 eleitores estavam aptos à votar; 431 pessoas à mais do que indicava o IBGE há dois anos.

São João do Araguaia não foi diferente. O censo de 2022 apresentou 13.664 habitantes, número que pulou para 13.769 nas últimas eleições. Crescimento de 105 pessoas.

Fatos como esse, sugere uma fonte, acontecem também nas grandes cidades, onde é “comum” esse fenômeno do “eleitor itinerante”. “Só que nas grandes cidades é mais difícil de perceber. Já em municípios menores, esse tipo de fraude acontece abertamente. É preciso providência das autoridades”, sugere a mesma fonte.

Os números acima citados, foram todos coletados nos sites, tanto do TSE, quanto do IBGE.

Esquema suspeito    

A reportagem dispõe de vários áudios de WhatsApp, obtidos com exclusividade, aonde os interlocutores sugerem a possibilidade de “maracutaia”, para beneficiar Márcio Folha. Uma das conversas evidencia que um forte empresário de Parauapebas, teria aliciado funcionários para votarem no candidato da coligação “Por Amor à Palestina”. Não apenas aliciado, mas também fretado ônibus para transportar esses funcionários.  

Logo após o final das apurações, uma das mensagens festeja a vitória de Folha. “Ainda bem que os dois ganharam, né, tá bom demais”, diz essa pessoa, se referindo a Márcio Folha, e uma candidata a vereadora.

Outra voz ressalta a participação de uma pessoa envolvida, relatando que “Os votos do ‘empresário’ fizeram efeito cumpadi... o caboco me disse aqui estou levando 45 votos, tá anotado aqui no caderno... tô levando aqui 45 votos pra votar lá no Porto da Balsa... e votou os 45 votos. O povo do ‘empresário’ fez a diferença, o povo dele fez a diferença”, se gaba esse interlocutor.

Uma outra voz, também pelo WatsApp, enfatiza que “só aqui do Peba aqui, foi mais de 50 pessoa cumpadi, foi dois ônibus”, dando a entender que, realmente, tal empresário fretou dois ônibus para conduzir seus funcionários de Parauapebas até Palestina, com a incumbência de votarem em Márcio Folha.

Time joga bem – Outro diálogo pelo celular, não menos comprometedor, envolve uma pessoa que seria Kerlone, primo do atual prefeito, Cláudio da Tetê, e que seria supostamente um dos operadores de frente da prática de compra de votos. Essa pessoa reconhece, segundo o áudio de WhatsApp vazado para a reportagem, que a coligação “Por Amor à Palestina” já tinha dada como certa a derrota. Trecho da conversa ressalta que “nós tava perdendo, nós tava com essa política aí perdida, ‘Magrelo’ lá em cima e nós tomamo. O time do 45 joga bem demais”. Cita ainda que “O time do 45 parece o Barcelona jogando”. “Magrelo”, a que se refere, se trata da pessoa de Valciney Gomes; é como é chamado por seus correligionários.

O interlocutor, na troca de mensagens com a pessoa que seria o Kerlone, chama-se Davi, segundo o próprio nominou. “Não Davi, eu tava agorinha aqui falando com o Cláudio (que seria o atual prefeito), eu gosto de ver esse time do 45 (partido do atual prefeito que compõe a coligação Por Amor à Palestina) trabalhar numa política, viu, ele sabe é trabalhar, o time aprendeu a trabalhar mesmo... cada um sabe sua posição... dá gosto de ver um 45 desse trabalhando, oh”, finaliza o áudio.

De acordo com informações coletadas pela reportagem, a compra de votos em Palestina do Pará, teria girado em torno de R$ 2 milhões. Crime eleitoral supostamente patrocinado por empresários de Parauapebas e Marabá, que teriam interesse na permanência de aliados de Cláudio da Tetê na prefeitura. Só para um “cabo eleitoral” teriam sido destinados R$ 10 mil, via PIX, para ser empregado no aliciamento de eleitores.

Recorrente – Caso seja comprovado que Márcio Folha tenha sido eleito através da suposta compra de votos, será mais um capítulo da história política de Palestina do Pará que se repete.

A prática de crimes eleitorais no município, não é novidade. Nas eleições do ano de 2012, a candidata Maria Ribeiro, segunda colocada, segundo as pesquisas, superou o candidato Valciney Gomes, com uma pequena margem de votos.

A Justiça Eleitoral, diante da constatação de que a vitória de Ribeiro se deu através do abuso econômico praticado pelo grupo da então prefeita, que concorreu a reeleição, anulou o pleito. O Tribunal Regional Eleitoral (TER/PA) determinou a realização de nova eleição, quando então Valciney foi eleito, com folga.

Retorno – A reportagem tentou ouvir a coordenação da coligação “Por Amor à Palestina”, assim como também as demais pessoas citadas nessa matéria. Sem sucesso.

Mas fica o espaço aberto, para quem quiser se manifestar a respeito das denúncias aqui citadas.

                                                 
                                         Imagens: Fornecidas por um informante


Deboche: Moacy (de chapéu) alicia eleitor em pleno local de votação  
                                                
Ex vereador Moacy, por ocasião de sua prisão no dia das eleições