sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

CINZAS AO VENTO
                                               (meu réquiem)
                                               NILSON SANTOS*
                            
E quando fizer a viagem,
Aquela, que ninguém quer fazer
Mas que não se pode fugir;
Quando chegar minha hora,
Da travessia, sem turbulências
Para o além...
Não, nada de olhos marejados,
Águas cristalinas manchando meu rosto frio,
Não me deixem mais infeliz
Porque de lágrimas foi todo o meu cansado viver

E quando chegar o momento,
O meu momento,
Quero alegria ao redor,
Música
Sorrisos;
Que toquem Roberto Carlos,
Cantem comigo minhas canções preferidas,
Recitem meus poemas,
Que mofam em gavetas empoeiradas...
- Essa água cristalina,
não vai regar meu corpo frio,
Que jaz inerte no barco
Da última viagem

Não,
Não sofram pelo que já não sou mais
Não lamentem,
Porque nunca fui;
Várias lutas travei,
Minhas e de outros também,
Se venci, se perdi,
Não sei
Só espero não ter “passado” por aqui em vão
Vãs batalhas,
Vencidas e perdidas;
Doloridas...

E quando fizer a “passagem”,
Não permitam...
Por favor,
respeitem meu último refrão
Não permitam que germes e micróbios,
Tatus que por aí vagueiam,
Venham consumir este corpo
Tão calejado e tão cansado,
De muitas batalhas perdidas
Tão inerte, e já sem forças para se defender

Então,
Que esse corpo, rígido e frio
Seja aquecido nas chamas,
- Não no calor do sol
- Não no clamor da terra
Mas que seja aquecido
No ardor da fogueira,
Para que possa levar n’alma
As alegrias de São João

Ah;
E que minhas cinzas,
Que estas sejam atiradas ao vento,
Deixem que se espalhem pelo ar,
Que se percam no tempo;
Que minhas cinzas sigam com a brisa do arrebol,
Para a liberdade de poder voar,
Voar, voar...
   
           *Jornalista, poeta nas horas vagas