DIREITO DE FAMÍLIA
Pets
podem ser reconhecidos como seres sencientes
Quando o amor acaba, mas o latido não: quem fica com o animal após a separação? A guarda deve ser priorizada pelo vínculo afetivo e o bem estar
REDENÇÃO (PA)
Eles dividiram a casa, os
planos e até o sofá — sempre com o cachorro entre os dois, como parte da
família. Mas quando o relacionamento terminou, o latido que antes unia virou
motivo de dúvida. Afinal, quem tem o direito de ficar com o animal de
estimação? E mais importante: o que é melhor para ele?
Foi exatamente essa
pergunta que Luiz Paulo Santos Martins e sua então companheira precisaram
responder. O casal adotou um filhote de Golden Retriever, presente de uma
amiga, e mais tarde decidiram incluir uma gata na família. “A gente sempre
brincava sobre quem eles escolheriam para morar”, conta Luiz Paulo. No fim, o
cachorro ficou com ele, e a gata com ela — cada um mantendo a rotina dos pets e
permitindo visitas livres, respeitando o vínculo afetivo que os animais também
carregam.
A separação foi
tranquila, mas não sem dor. “O cachorro ficava agitado ao ver a tutora,
confundia pessoas na rua achando que era ela. A gata, mais desconfiada, demorou
a brincar comigo como antes”, relembra. Sem recorrer à Justiça, o casal fez um
acordo informal, priorizando o bem-estar dos animais. “Eles também sentem
saudade. É preciso pensar neles, não só na gente”.
Em tempos em que os pets
ocupam lugar de filhos no coração dos tutores, a separação de um casal não
envolve apenas bens materiais — envolve sentimentos, rotinas e vínculos profundos
com seres que não falam, mas sentem. E cada vez mais, essas histórias têm ido
parar nos tribunais.
Segundo a advogada e
professora da Afya Redenção, Daniela Stefanni Regis do Amaral, o Direito
brasileiro ainda trata os animais como semoventes — bens móveis com movimento
próprio — conforme o Código Civil. “Essa classificação tradicional os sujeita à
partilha patrimonial, mas a jurisprudência tem avançado para reconhecer os
animais como seres sencientes, merecedores de proteção jurídica diferenciada”,
explica.
Nos tribunais, princípios
do Direito de Família têm sido aplicados por analogia para decidir sobre
guarda, visitação e até pensão alimentícia para pets. Daniela destaca que “o
Superior Tribunal de Justiça já reconheceu o direito de visita a um animal após
a dissolução de união estável, e a guarda compartilhada pode ser fixada
conforme o caso concreto”.
Embora ainda não exista
jurisprudência consolidada, decisões como as do Tribunal de Justiça de Minas
Gerais e do Distrito Federal mostram que os juízes têm considerado o vínculo
afetivo entre humanos e animais como critério relevante. “A ligação emocional,
a capacidade de cuidados, a estabilidade do lar e a rotina do animal são
aspectos que pesam na decisão”, afirma a especialista.
A guarda compartilhada é
possível, desde que haja acordo entre as partes ou decisão judicial que
formalize o arranjo. Na prática, isso pode ser feito por meio de um acordo
extrajudicial, especialmente quando há boa comunicação entre os ex companheiros.
“Se houver descumprimento de um acordo verbal, é recomendável formalizar
juridicamente para garantir segurança às partes e ao animal”, orienta Daniela.
Em casos de maus-tratos
ou violência doméstica, o sistema jurídico brasileiro é claro: a Lei nº
9.605/1998 tipifica como crime qualquer ação ou omissão que cause sofrimento ao
animal, e a Lei nº 14.064/2020 agravou as penalidades. “A proteção das vítimas
e a responsabilização dos agressores são prioridades, inclusive quando o pet é
envolvido na dinâmica da violência”, reforça.
Na hora de decidir quem
fica com o animal, provas como fotografias, vídeos e testemunhos que evidenciem
o vínculo afetivo são fundamentais. “É preciso ir além da letra da lei e
considerar o bem-estar do animal, que também sofre com a separação”, pontua
Daniela.
Para casais que estão se
separando e têm um pet em comum, a recomendação é clara: priorizar o animal.
“Os pets são cada vez mais reconhecidos como membros da família. A solução deve
considerar o bem-estar do animal e os vínculos afetivos com os tutores,
evitando, na medida do possível, o rompimento desses laços”, conclui.
O Direito ainda caminha
para acompanhar essa nova realidade. A expectativa, segundo Daniela, é que a
legislação evolua para reconhecer legalmente a senciência dos animais, aplicar
normas do Direito de Família e promover políticas públicas de educação e conscientização.
Porque quando o amor acaba, o latido que fica não é apenas ruído — é afeto que
precisa ser respeitado.
Serviço:
A população de Redenção
pode ter acesso a orientações jurídicas de todas as naturezas e ingresso de
ações judiciais, a depender do caso, através do Núcleo de Práticas Jurídicas -
NPJ - da Faculdade de Direito da Afya Redenção, localizada na Avenida Brasil,
1435 - Alto Paraná, Redenção - PA. O atendimento à população, especialmente
público de baixa renda, acontece de segunda à sexta-feira, das 08 às 17h. (Elizabeth
Ribeiro/Ascom/Facimpa)
Imagens: Ascom/Facimpa
Advogada Daniela: "Direito brasileiro ainda trata os animais como semoventes" Está cada vez mais comum a disputa pela guarda de um pet ir parar nos tribunais
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