sexta-feira, 16 de março de 2012

DIA DO POETA

No dia do poeta, transcorrido na última quarta-feira (14) o mestre Ademir Braz nos brinda com esta verdadeira sinfonia:







Enseada dos anos
Ademir Braz

O espelho me devolve a barba de vários dias:
umas cerdas brancas, duras, de velho cuandu.

Deve ser esse fascínio dos 600 anos... Para onde
fluíram em maciez e furor as antigas manhãs?
Onde as noites nevadas de espuma? Onde
o espanto de fardos e fados rarefeitos, verbo
em sangue no guardanapo dos botequins?

O cuandu ri no espelho... Envelhecer é isto?
Esse tumulto com os signos, este enorme,
colossal desapego à posse do supérfluo?
Que é o essencial, quando tudo esvaiu-se?

Ainda gosto de árvores, ternura e afagos;
de cães sarnentos e gatos de beco. Trago n’alma
a enseada morna que os abriga e aos amigos.
Grandes, por igual, são minhas amarras às coisas
que sejam pássaros, mar, plantas e silêncio.

Dessas coisas claras, certifico. Mas o que faço
das lembranças, tumultuárias buganvílias?

Os amores, comparo-os às tainhas de Maiandeua.
Quando as vi, na primeira vez, pareciam milhares
a saltar entre a praia do porto e o manguezal.
Se o tempo as trazia, em época exata de chuva e sol,
fervilhava o mar sob redes e barco, e  pescadores
colhiam mais cardumes que poderiam consumir
ou vender e que, mortos, relançados às marés,
prateavam de escama a fímbria macia do areal.
Tanto o desperdício que, não muito depois,
rarearam até sumir ao longe na costa do Marajó.

(As tainhas que amei, também migraram. Foram
acasalar  bem longe da minha rede de pescador.)

Estes idos amores, contudo, conservo todos aqui
(ainda que tenham durado a sina de uma rosa)...

                                    II
A primeira paixão, na luminosa adolescência,
Levou de mim para sempre a inocência.

                                III
Muitos anos depois, numa cilada, tomou-me
a alma encarcerada o amor mais repentino.
E fui, como um pássaro a bater-se no espelho
resgatar, quem dera, o que perdera em menino.

E vai, um dia, sumiu no arrebol a juruti fagueira...

Se eu tivesse, então, tirado de meus ombros
E lançado a fera à montoeira dos meus sonhos
Não haveriam mais pesadelos, mais escombros,
nem seria o amor senão a doida cachoeira
Que nos arrasta e leva pela vida aos tombos.

                                    IV

A muito amada sentou-se no muro e por trás dela
eu via a luz da casa com o brilho velado da vidraça.
Era um lugar de nome indígena, algo quase assim:
a muito amada vinha do colégio e eu, de muito longe:
da terra mesopotâmica do sol, a mochila encardida
do pó que o vento espalha ao norte dos agrestes.
Lá nos conhecemos, vivíamos, lá um bêbado amou-a
com amor que o fez perder-se dos parceiros de balcão.
Mas ela mudou-se e fui revê-la num insano impulso
e dei com esse vento de soturna lágrima e adeus.
Penso às vezes que morri naquela noite de pétalas
e transmutei-me em pássaro sem abrigo ou canto
e desde então peregrinei sem causa à parte alguma.
Sim, é quase certo que morri naquela noite de pétalas...
                                 
                                       V
Ninguém nunca mais é o mesmo depois do amor.
Ceifada a fonte, chegada a noite espessa da solidão,
rola a alma sem itinerário para lugar nenhum.

                                      VI

Eu, de mim, distribui o que sobrou da ventania.

                                      VII
Em Romana, andávamos nus, a companheira
a espiar navios feéricos sobre o verde mar.
Tão distantes e misteriosos!... À noite, apenas
vela acesa na curva imaginária do horizonte
enquanto nos amávamos sobre palafitas.

                                  VIII

Na cidade de cal, perdida no silêncio do cerrado,
a namorada levou seu visitante a um lugar estranho
- o centro geodésico de alguma coisa – onde havia
uma placa, seixo sem valor e um círculo cimentado
para receber alienígenas e discos voadores.
Lá, sentamo-nos na grama e não vi luzes na manhã.
Trouxe no bornal - e ainda deve estar aí nalguma parte -
um punhado de cascalho sujo e mítico, talvez resto
do que fora  abissal rochedo de  oceano profundo.

                                     IX

Eu olhava a luz a crepitar na chuva da madrugada.
Bebia aguardente e cerveja no bar soturno (só o dono
atrás do balcão) e olhava a luz imunda na rua insone.
Eu era só um artista sem certezas, e a cidade um pássaro
morto sob a chuva. Esse vulto em branco, entretanto,
está bem vivo e úmido à porta, os seios de romã, a face
alada do arcanjo que vai levar-me a qualquer parte.
Alva e transparente no vestido longo, ela pede vodka
e solta o corpo esguio numa cadeira mais ao longe.
Ergo-me e dou a mão ao fado inscrito na noite suja.
Então ela canta, e me dou conta que morrerei esta noite,
fugiremos para as estrelas acima da tempestade, rumo
às galáxias e outros sóis. Nunca mais voltarei! Mas antes
de largar-me quase morto à margem do trago e das taças,
três dias nos amamos entre  cachoeira e saranzais.

******

E ESTA AQUI É DA LAVRA DO PÔSTER:

APENAS POETA
                  NILSON SANTOS*

Não me pergunte porque faço poemas,
Não saberia dizer;
De onde vêm minhas rimas?
Respostas também não há;
Não questione minhas estrofes,
Meus lamentos nas escritas que lês...
Porque falo de amor?
Desilusões?
Desencontros?
Não sei explicar.
Se canto canções ao luar...
Declamo sonetos...
E choro pelas paixões perdidas no tempo,
Não sei não senhor.
Só sei que tudo vem lá de dentro,
Que nasce d’alma,
Do fundo d’alma...
E se faz poesia;
Porque,
Poeta sou!

*Jornalista, Radialista, Poeta nas horas vagas


Um comentário:

Ademir Braz disse...

Obrigado, mano velho,