sexta-feira, 28 de outubro de 2011

MAIS UMA DA SAFRA DO CARA FEIA

                       A MORENA DO CHAMIÊ

                                               Nilson santos*

     Tenho ido raras vezes à Belém, depois que mudei para Marabá. Do tipo, para passar alguns dias. Como a parentada mora em Castanhal, nas férias é para lá que me mando, e onde hiberno, dividido entre a piscina de Donana e a casa de praia de minha irmã, em Marudá.

     Dia desses, por conta de resolver problemas particulares na capital, decidi tirar parte do dia para vadiar pelas ruas da minha querida “Cidade Morena”, assim que cessado os compromissos.

    Praça da República, Ver - o - Peso, Praça do Relógio, Docas, Boulevard, de onde vislumbrei o prédio antigo de O Liberal, ali onde iniciei meus primeiros passos no encantado mundo do jornalismo.

     E fui me arrastando entre o burburinho de gente e veículos, sempre tão apressados e barulhentos. Essa é minha Belém.

     Seguia sem rumo, sem roteiro, sem mapa. 

     Apenas divagando e deixando fluir as lembranças de tempos outros, de quando também era mais um entre tantos rostos anônimos que vagueiam por aqui e por ali, por motivos os mais diversos.

     Desci pela João Alfredo, desviando dos ambulantes mas deleitando-me com aquela sinfonia de vozes gritantes e roucas, propagando seus produtos e bugigangas. Sem perceber, estava de frente ao antigo Edifício Chamiê. Aí, as lembranças se fizeram mais intensas, com sabor de saudades.

     Voltei no tempo.

     Foi ali, no 12º andar, que, muito jovem ainda, ensaiando os primeiros passos solo, fui estagiar num escritório de advocacia. Fui ser datilógrafo do Dr. Reis, advogado de renome, na época. Hoje já falecido.

     E função de datilógrafo, naquele tempo, já dava um certo status. Principalmente em servindo para jurista dos mais solicitados. Me dei bem e por ali permaneci por quase um ano.

     Foi ali, no escritório de Dr. Reis, que conheci aquela  morena, cor de jambo, cabocla do interior das mais viçosas. Secretária nº 1 de Dr. Reis. Das mais eficientes e das mais belas que conheci, nesses tempos idos.

     E, como secretária, estava acima de mim na escala de hierarquia daquele movimentado escritório. Uma barreira entre eu e a morena, sedimentada ainda mais pela minha timidez.

     Pelo fato de estar morando distante do centro, em Marituba para ser mais exato, merreca curta e necessitando economizar na passagem, comia por ali mesmo pelo Ver - o - Peso; ou apenas lanches frugais.

     Não sabia eu, que a morena há muito adotara a mesma rotina, também pelos mesmos motivos - economizar. Foi o elo que nos aproximou.

     Quebradas as barreiras, passamos a ter um convívio menos, digamos, profissional. Foi um erro. 

     Passamos, com o correr dos dias, a dividir não apenas o lanche do meio-dia, mas também a ter um relacionamento mais íntimo.

     Eu, muito jovem ainda, quase adolescente; ela já beirando seus 27anos. Aliança na mão direita, sinônimo de compromisso sério. “Deve ser lá pro fim do próximo ano. Quero me formar primeiro”, justificava, quando, na ansiedade de uma paixão que já me queimava o peito, perguntava pela data do casamento.

     Enquanto o casório não chegava, deleitava-me eu naquele corpo de sereia mal saída das águas da Baía do Guajará. Ali mesmo, no sofá de recepção do escritório de Dr. Reis.

     E tínhamos muito tempo para navegar pelo mundo da luxúria e do prazer. O escritório só reabria às 15h e raras vezes Dr. Reis retornava à tarde, atarefado que estava ele pelos corredores do Fórum ou no embate em tribunais, tentando ganhar mais uma causa. Ele ganhava quase todas. 

     Quem aparecia era o secretário e motorista dele, apenas para buscar as pastas de processos, todos devidamente datilografados por mim.

     Ganhei um cartaz danado com Dr. Reis.

     E assim foi por muito tempo. Por quase um ano vivi num mundo de encanto e fantasia, nos braços da morena cor de jambo. Um pedaço de mulher. Unhas sempre bem cuidadas; ela gostava do vermelho, e roupas apuradas, compradas nas boutiques da João Alfredo e adjacências. Se vestia com a simplicidade de moça do interior, mas com a elegância natural de quem precisa de muito pouco para expor sua exuberância.  

     Nesse período, o sofá de Dr. Reis se desgastou muito rapidamente. Pois era ali, no intervalo do almoço, que a recepção virava nossa alcova; onde rolava a mais íntima das intimidades. Me tornei, dizia ela, um amante voraz. E ela, retrucava eu, uma “poltra” insaciável.

     Foi loucura, foi amor, foi ternura, foi traição.

     Mas, não há bem que sempre dure.

     Um dia, tudo acabou e minha vida, pensava eu, desmoronou. Foi um tormento sem fim.

     Nem lembro bem por que, mas nossos caminhos tomaram rumos diferentes. Eu pra cá, ela pra lá.

     Nunca mais vi, nem ouvi falar da morena cor de jambo, interiorana que abalou minhas estruturas.

     Casou? Não casou? Voltou pra terra dela? Concluiu a faculdade? Não fiquei sabendo.

     Agora, muitos anos depois, me vejo parado na frente do Chamiê. Tentando vislumbrar, cá de baixo, o 12º andar. 

     Ali, descubro hoje, vivi momentos felizes. Na ansiedade da juventude ainda em florescência, fui bastante feliz.

     É por isso que, de repente, bateu uma saudade danada da morena cor de jambo. Aquela que me fazia delirar no sofá de recepção de Dr. Reis.      


     É por isso, somente por isso, que vou encerrar minhas andanças, lá no Bar do Parque.





*Jornalista, Radialista, poeta nas horas vagas

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